CRÍTICA | Demolidor: Renascido – 1° Temporada (2025)
Mantendo-se fiel ao espírito da série original e trazendo referências do melhor da Marvel, Demolidor renasce com elenco original e mudanças ousadas.

Crítica por Clara Brandão – ATENÇÃO: esse artigo contém spoilers da série COMPLETA. Em abril de 2015, com o lançamento de Demolidor, a Netflix deu novo tom ao universo cinematográfico da Marvel com a primeira série. Isso foi fruto da parceria entre a Marvel e a plataforma de streaming.
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Estrelada por Charlie Cox no papel de Matt Murdock, a produção trouxe uma abordagem mais sombria e realista ao Demônio de Hell’s Kitchen. Assim diferenciando-se do tom mais leve característico dos filmes.
Com sequências de luta eletrizantes, roteiro afiadíssimo e atuações icônicas, Demolidor foi um sucesso absoluto, com três temporadas elogiadas por público e crítica.
E inaugurou o chamado “universo urbano” da Marvel dentro da Netflix (posteriormente também chamado de “Saga Defensores”, que originou séries como Jessica Jones, Luke Cage, Punho de Ferro e Os Defensores.
Com a venda da Marvel para a Disney e o cancelamento de todo o universo urbano em 2019. Com isso, o futuro do personagem se tornou incerto.
Os direitos do herói voltaram à Marvel
Mesmo parecendo o fim para o personagem dentro da Disney, a esperança é a última que morre. Entre entrevistas, aparições em convenções e comentários, Cox sempre defendeu a ideia de integrar o Demolidor ao MCU da Disney com o elenco original.
Em 2020, os direitos do personagem voltaram para a Marvel. Isso abriu a porta para especulações e rumores de que uma fusão estava mais perto de acontecer.
Em dezembro de 2021, a Marvel confirmou oficialmente a integração do Demolidor de Charlie Cox ao MCU. Com a aparição surpresa de Matt Murdock em Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa como conselheiro legal de Peter Parker (e advogado muito bom).
Logo depois, Vincent D’Onofrio reprisou seu papel como Wilson Fisk/Rei do Crime nas séries Gavião Arqueiro e Eco.
Finalmente, com a aparição de Demolidor em Mulher-Hulk: Defensora de Heróis em 2022, a Marvel confirmou o desenvolvimento de Demolidor: Renascido, que estreou dia 4 de março no Disney+.
Nós já assistimos tudo, e podemos garantir que, apesar de uma abertura chocante, é um prato cheio para novos e antigos fãs.
Demolidor: Renascido é um presente para os fãs
A série marca o retorno de Foggy Nelson, Karen Page, Wilson Fisk e Matt Murdock. E também a ocasional aparição de Frank Castle, o Justiceiro, no seu elenco original – uma decisão acertadíssima da Marvel.
Não só por serem atuações já estabelecidas e de altíssimo nível (aqui vale o destaque ao Vincent D’Onofrio dando sempre o sangue numa atuação de tirar o fôlego). Mas também porque, segundo informações do próprio elenco, originalmente Page e Nelson não seriam parte do roteiro em momento nenhum.
As reedições no texto aconteceram após a greve de roteiristas de Hollywood e em parte por insistência de Charlie Cox. Que desde o cancelamento da série pela Netflix nunca deixou de lutar por um tratamento merecido aos personagens.
O elenco de apoio é a corda emocional que justifica porque Matt quer ser o melhor, como advogado e vigilante. E a razão pela qual perde completamente o senso de si quando o perde.
Sim… o Foggy morre
Já arrancando o curativo logo de cara: sim, Foggy Nelson morre. A sequência entre Demolidor e Mercenário tenta mesclar o estilo de lutas em plano-sequência das primeiras temporadas da Netflix com o estilo mais “polido” do MCU.
E é bem sucedida em alguns aspectos e deixa a desejar em outros (o CGI não é dos melhores, como da maioria das séries da Disney, mas é ocasional – a maior parte das lutas é coreografada sem muitos efeitos).
Mas o que marca mesmo é o cerne do que faz “Demolidor” ser tão icônico: a forma que Matt Murdock interpreta o mundo.
Com mais liberdade que nunca e um design sonoro poderoso, aqui a cinematografia explora tudo, desde ângulos, filtros diferentes, distorção de câmeras e mudança até de proporção da tela para demonstrar a experiência sensorial de como Matt processa tudo ao mesmo tempo.
O caos nas ruas, o desespero das vítimas do tiroteio que tira a vida de Foggy, o choro de Karen (Deborah Ann-Woll), o som da polícia a caminho, o coração do melhor amigo eventualmente parando. É uma mistura caótica e desorientadora, mas que faz todo o sentido.
A perda de Foggy é devastadora por si só, e a falta de Elden Henson vai doer, mas a atuação de Cox e Deborah Ann-Woll no momento também entregam todos os sentimentos certos.
A decisão é polêmica, e certamente pode ser criticada, mas considerando que a ideia original era fazer a morte de Foggy acontecer fora de cena, a despedida assim faz mais jus ao peso que o personagem carregava para o enredo – e para o protagonista.
Originalmente a ideia era outra
Começar sem dar direito a uma despedida seria um erro. E o impacto dessa perda é sentido durante todo o enredo da história: Karen sai da cidade, se mudando para São Francisco e passando (quase!) toda a temporada longe.
Murdock abandona o manto do Homem sem Medo e sai de Hell’s Kitchen após o assassinato de Foggy. Na tentativa de fazer justiça à morte – e dominado pela culpa por não ter sido capaz de impedi-la.
Matt, mesmo um ano depois, sequer consegue entrar em uma igreja, o que para bons conhecedores significa muito. A recente adição à grande lista de traumas na vida de Murdock vai render muito além de backstory.
E, considerando rumores recentes de que Elden Henson estará na segunda temporada, não parece que esse seja um adeus definitivo.
Afinal de contas, uma máxima clássica para todo fã de quadrinhos é “Ninguém continua morto – com exceção do tio Ben”. E será que o Demolidor pode não ser o único renascido? Resta esperar para saber.
O que resta? Seguir a vida, ou ao menos tentar. Um ano após a morte do melhor amigo, o mundo de Murdock está diferente do que vimos da última vez.
Uma nova vida fora de Hell’s Kitchen com uma nova firma de advocacia e novos parceiros, Kirsten McDuffy e Cherry (que apesar de interessantes, podiam ter uma apresentação mais robusta) e uma nova pretendente.
Porém, com a ressurgência inesperada de seu maior inimigo, Wilson Fisk, a tensão que o sempre impecável Charlie Cox demonstra borbulhando dentro do personagem com maestria se torna cada vez mais palpável, eternamente em conflito entre a paz e a barbárie.
Herói em conflito
Entre o céu e o inferno. Lutar ou não lutar? Eis a questão. E a resposta (ou falta dela) corrói Murdock a cada grito que escuta e é incapaz de correr para ajudar.
A série, fazendo jus ao material original tanto nos quadrinhos quanto na Netflix, não hesita em abordar questões sobre justiça e moralidade. Dessa vez, porém, com teor muito mais político, ecoando a abordagem de “Falcão e Soldado Invernal”.
E faz sentido até demais: entre violência policial corroborada pelo Estado e o sistema judicial, injustiça e o caos causado por uma eleição em massa de um criminoso condenado que tem como promessa “consertar tudo de errado”. E cria um culto de personalidade em cima de ser um grande homem de negócios – tudo isso enquanto articula um império do crime-, o comentário não é nem um pouco sutil.
Cabe também a menção de como, assim como na vida real, o símbolo do Justiceiro é cooptado por… policiais violentos e corruptos. O roteiro se utiliza do mundo real para alimentar o mundo da fantasia.
Série se passa anos depois
O tom novo não vem do nada: A série se passa em algum momento após 2025 (após Gavião Arqueiro e Eco), e os anos transparecem. Matt Murdock agora é muito mais maduro, diplomático.
Lida com mais camadas do sistema, conhece muito mais que nas primeiras temporadas no início de carreira de Nelson e Murdock. Apesar de todas as perdas e conflito interno, como advogado Matt transborda ainda mais charme e carisma que na Netflix, se é que é possível.
A química de Cox com o elenco de apoio é cativante, mesmo não sendo a mesma energia mais contida do Murdock da Netflix, que tinha Foggy. O carisma é uma máscara, como a máscara do Demolidor, servindo para proteger Murdock do ódio, culpa e luto – ou para proteger o mundo da violência que esses sentimentos causam nele.
Também existe um entendimento mais profundo das mazelas do sistema jurídico no qual participa, e a mesma vontade levemente insana de trazer a justiça pelo processo apropriado.
Aqui o lado advogado de Murdock brilha, a identidade que decidiu manter como forma de fazer o bem e proteger o legado de Foggy. O caso de Hector Ayala, acusado injustamente de assassinar um policial, é revoltante. Uma luta de Davi contra Golias, na qual Matt sequer hesita antes de entrar.
Ele é um advogado REALMENTE muito bom
E é sempre ótimo quando a Marvel lembra que sim, ele é um advogado muito bom. Os episódios dedicados ao julgamento de Ayala são os melhores da série. Existe também a escuridão do Demolidor, sempre constante, mas também a leveza de um personagem com papo leve e galanteador o suficiente.
Assistir o Matt Murdock piadista (e com bem menos sangue) de Mulher-Hulk e compará-lo com o Matt de “Nelson v. Murdock” ou o Matt completamente desiludido com Deus, a justiça e a vida da terceira temporada é um salto em personalidade.
O Murdock de “Demolidor: Renascido” tem uma energia ainda mais próxima. Mas os três obviamente defenderiam Peter Parker e segurariam um tijolo atirado na janela.
Mesmo sabendo que o Homem-Aranha é plenamente capaz de se proteger sozinho. A ponte é bem construída e consegue aproveitar o melhor que cada versão do personagem tem a oferecer.
Matt Murdock em Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa
O protagonista tem momentos que bebem na fonte do melhor da primeira série, os dilemas morais e a carga emocional. A luta interminável contra um sistema pensado para que pessoas comuns não tenham justiça ou sucesso nele.
O questionamento constante se a alternativa da barbárie não é a melhor opção. Matt perdeu o amigo mais próximo e luta para continuar a vida, tentando focar no trabalho como advogado e tentar fazer o mundo funcionar dentro do sistema.
Até onde o trabalho colhe frutos? Será que a alternativa vale a pena? Com Fisk no poder, tendo controle sobre toda a máquina pública, existe caminho senão a violência?
A dinâmica entre Matt/Demolidor e Wilson Fisk é eletrizante. Os personagens representam opostos, mas ao mesmo tempo paralelos. Um desperta o pior do outro – e o eterno embate desperta o melhor para o espectador.
Charlie Cox e Vincent D’Onofrio, mesmo sete anos após a última participação juntos em cena, estão tão em sintonia com os personagens como nunca.
Performances icônicas e cativantes, que são elevadas pela cinematografia (na maior parte das vezes) impecável que é um ode ao estilo mais pé no chão que as séries da Netflix tinham nas primeiras temporadas, arriscando dizer que até mais além.
Não existem raios laser, magia ou super poderes extravagantes. E o estilo clássico de “super-herói” característico da Marvel dá lugar às ruas de Nova York em sua representação mais crua.
Matt Murdock e Wilson Fisk em Demolidor: Renascido
Para não sofrer acusações de parcialidade, nem tudo é perfeito: o CGI (quando utilizado, em cenas que provavelmente vieram do retrabalho do roteiro pós-greve) é muito notável.
E os cenários que dependem mais de efeitos visuais por não existirem na vida real (como o porto Red Hook, que até existe, mas aqui é bem diferente) são bem óbvios e destoam muito da atmosfera mais real e vivida do resto da série, que foi gravada em Nova York e exala toda a autenticidade de sets em cidades vivas.
A aparição de Muse, o “vilão principal” da série que como nos quadrinhos sequestra vítimas para usar seu sangue em pinturas sombrias, acontece quase do nada e o arco do vilão acaba sendo um pouco descartável.
A única função do personagem é oferecer um motivo para que Matt Murdock abrace a identidade do Demolidor novamente quando a força-tarefa de Fisk falha em localizar o serial killer.
Entre a cruz e a espada, e com a vida de Angela Del Toro, sobrinha de Hector Ayala (e assim como o tio, futura detentora do manto de Tigre Branco), Matt acaba com a Guerra Fria que instaurou com Fisk e volta a agir como vigilante nas ruas.
O ponto mais alto, apesar de tudo, é a construção de um universo sem a necessidade de conectar tudo ao MCU o tempo todo. Existem conexões, obviamente, mas elas não tiram o ritmo da série nem parecem fora de lugar.
O fã quer service, mas quando o fanservice vem bem dosado tem um gostinho super especial. E, melhor que isso: existem consequências, com grande potencial de afetar o futuro de outros heróis.
A ‘ditadura’ de Wilson Fisk
Quando Fisk entra no modo full-ditador e criminaliza a atuação de vigilantes com direito a uma força-tarefa militarizada com carta branca para cometer crimes (inclusive plantando evidências), a Nova York do MCU passa a parecer mais com a Nova York dos quadrinhos onde o Homem Aranha é constantemente perseguido pela polícia, por exemplo.
Isso traz potencial de trazer dinâmicas super interessantes para o núcleo de vigilantes de rua da Marvel – não só o Aranha, mas os Jovens Vingadores, que estão previstos há tempos no MCU e o lineup nunca parece fechar. E o cenário urbano tem a vantagem de ter um universo muito vivo.
A série consegue introduzir vários vigilantes, plantar fundações para futuras aparições e trazer personagens já existentes, tal como a Nova York dos quadrinhos. Dava saudade dessa energia, de ver realmente um cenário que existe numa dimensão completamente diferente do cinema.
O MCU é famoso por exigir filmes e mais filmes como conhecimento prévio, e “Demolidor” pode parecer igual por ser praticamente uma quarta temporada, mas o texto faz um ótimo trabalho de explicar o prévio. Assistir é um plus.
Aqui as referências são a continuação emocional da série. E o caminho à frente é animador e faz a Fase 5 do MCU parecer muito mais animadora.
Mesmo que o fim da temporada pareça ter um clima de derrota, onde Fisk reina supremo como Prefeito. E também de volta ao posto de Rei de Crime, com o sistema inteiro nas mãos.
E assim, Matt Murdock também está de volta como Demolidor, e bem acompanhado: com a volta de Karen Page e do Justiceiro (que tem um especial já confirmado na Disney+), pronto para defender Nova York. Realmente é um renascimento.