Sobre nerds chorões e mudanças necessárias em adaptações de quadrinhos

ESSE TEXTO CONTÉM SPOILERS DE HOMEM-ARANHA: DE VOLTA AO LAR!   No finalzinho de 2003, quando completei 10 anos, ganhei dos meus pais um presente que até hoje guardo...

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Compartilhe: Osmar Oliveira
Publicado em 29/10/2017 - 18h00


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ESSE TEXTO CONTÉM SPOILERS DE HOMEM-ARANHA: DE VOLTA AO LAR!

 

No finalzinho de 2003, quando completei 10 anos, ganhei dos meus pais um presente que até hoje guardo com muito carinho: um exemplar de Harry Potter e o Cálice de Fogo. Era domingo, recebi ele logo de manhãzinha, desembrulhei-o e comecei a ler ainda de pijama. Dizer que devorei ele seria um eufemismo, pois em menos de uma semana eu, um garoto que até então lia apenas livros fininhos com ilustrações gigantescas, havia terminado a 4ª aventura de Harry, Ronny e Hermione. Página após página, ficava maravilhado com o jogo da Copa Mundial de Quadribol, eufórico com cada prova do Torneio Tribruxo, assustado com o retorno do Lorde das Trevas. Foi uma experiência que contribuiu bastante para que eu pegasse gosto pela leitura. O mais engraçado é que eu havia assistido apenas aos dois filmes que tinham sido feitos até então e não fazia ideia do que rolava em O Prisioneiro de Azkaban, só que isso era apenas um detalhe para o pequeno eu que acabara de completar 10 voltas ao redor do Sol. Detalhe que em nada afetou a minha experiência.

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Três anos depois, como era de se esperar, a adaptação chegava às telonas. E como eu estava? ANIMADÍSSIMO! Após uma longa espera, meu livro favorito favorito  finalmente viraria um filme. Àquela altura eu já havia lido quase todos os livros que contavam a história do Menino Que Sobreviveu (menos O Príncipe Mestiço, que havia sido lançado fazia poucos meses), ainda assim O Cálice de Fogo seguia como meu favorito. Caramba, uma das provas do Torneio Tribruxo envolvia dragões, como eu não poderia amar um livro desses? A minha expectativa era tanta (em 2005 ninguém falava hype) que eu reli o livro poucas semanas antes de assistir à sua adaptação. Aí chegou o grande dia, eu finalmente assisti ao filme e… ele era uma merda.

 

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Como assim o jogo da Copa Mundial de Quadribol foi cortado? Por que Dobby e Winky não eram nem citados? Onde estavam os elfos domésticos que trabalhavam em Hogwarts? Cadê a Hermione pistola com as condições de trabalho deles? Para finalizar, o labirinto, que é a terceira e última prova do Torneio Tribruxo, não chega nem perto de ser tão ameaçador quanto aquele descrito no livro. Esses e vários outros detalhes foram deixados de fora. “Ah, se era pra fazer assim era melhor nem ter feito”, pensei eu do alto dos meus 13 anos de experiência.

 

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Adultos que se comportam como crianças

 

Para muitos, minha reação foi compreensível. E na verdade foi mesmo, eu era um garoto de 13 anos, mal sabia sobre as dificuldades de se fazer uma adaptação. Não tinha maturidade o suficiente para entender que adaptar um livro de mais de 500 páginas em um blockbuster não é uma tarefa fácil. Trechos são cortados, personagens ficam de fora, alterações precisam ser feitas, tudo para que a história funcione em outra mídia.

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Agora vai explicar isso pra um moleque. Queria mais era ver tudo do jeitinho que estava descrito no livro. Nada preocupante, como disse, só não tinha conhecimento o suficiente na época. O problema, e é aí que a coisa fica mais séria, é quando vemos esse tipo de comportamento em adultos, pessoas que tem já tem idade o suficiente para entender que nem tudo dá pra ser do jeito que elas querem.

 

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Caso você não me conheça, me chamo Osmar, sou um dos criadores da página Legado da Marvel e ADM do grupo de mesmo nome. Ambos existem há alguns meses, mas desde que eles foram criados fui tomado pelo desejo de ganhar R$ 1 para cada vez que vejo um marmanjo reclamando da falta de fidelidade de uma adaptação de quadrinhos. Isso mesmo, marmanjo. Homens adultos com barba na cara chorando porque a adaptação não é 100% fiel ao material original. Não vou ser machista, há mulheres que também fazem birra por isso, só que na maioria dos casos são homens que mais poderiam ser pais de família.

 

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“O que fizeram com os meus queridos personagens?”

 

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Mudanças que se fazem necessárias

 

Provavelmente o caso recente que mais repercutiu foi o da Dominó em Deadpool 2. Apesar do humor anárquico, da ação desenfreado e da ótima seleção de músicas, o que mais pareceu agradar os fãs no primeiro filme do mercenário tagarela foram as semelhanças com os gibis. Quer dizer, isso na visão deles, já que Ajax e Míssil Adolescente Megassônico não são nem um pouco parecidos com suas versões originais. No entanto, foi só a primeira imagem da mutante interpretada por Zazie Beetz ser revelada para a indignação seletiva dos bazingueiros de plantão entrar em ação. Mesmo com um visual extremamente interessante, o que não faltou foram comentários, desnecessários, a respeito da etnia da atriz. Gente (adulta) falando “essa não foi a Dominó que eu cresci lendo” ou “parabéns por matarem meu sonho de infância”.

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Quem também sofreu na mão dos fãs puristas foi o Cable. Muitos acharam que o ator Josh Brolin não estava bombado o suficiente pra viver o filho de Scott Sumers na continuação de Deadpool. Alguns queriam até que um fisiculturista substituísse. Isso mesmo, queriam que um marombeiro entrasse no lugar de um ator que já foi indicado ao Oscar. O que muitos desses nerds precisam entender é que o Cable foi criado pelo Rob Liefeld, um ilustrador famoso por não manjar porcaria nenhuma de anatomia que desenha heróis com corpos que mais parecem de rinocerontes. Sendo assim, seria difícil encontrar um ser humano que ficasse parecido com algumas das criações do ilustrador.

 

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Ainda com o Josh Brolin (ao que tudo indica 2018 será o ano do cara), teve quem reclamasse do fato de Thanos não estar usando sua tradicional armadura nas artes e no trailer vazado de Vingadores: Guerra Infinita, em vez disso o Titã Louco estava usando uma espécie de regata. Talvez se eles botassem o cérebro pra funcionar chegariam à conclusão de que Thanos subestima tanto os humanos que nem vai se vestir adequadamente para a batalha. O mais provável é que ele vista ela em Vingadores 4, quando a treta engrossar. Tá vendo, pensar não dói.

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Todos esses casos são de filmes que ainda vão lançar. Não temos como saber eles vão ser bons, só nos resta torcer. Mas o que não falta são filmes já lançados que causaram choro devido a essa ou aquela mudança. O Quarteto Fantástico de 2015 é um dos que podem ser citados. Quando Michael B. Jordan foi anunciado como Johhny Storm a choradeira foi insuportável. Não porque o rapaz não tem talento, nada disso, quem havia assistido Poder Sem Limites e Fruitvale Station sabia que ele sabia atuar muito bem e tinha carisma de sobra. O problema é esse mesmo que você está pensando: o rapaz é negro. Aí já começaram a falar que o filme ia ser uma merda, que não ia prestar, que a produção tinha começado errado e blábláblá. Por diversos fatores (que você pode ler aqui), sim, o filme foi muito ruim, foi execrado por crítica e fãs, algo digno de ser esquecido. Agora me responda, se o Tocha Humana fosse parecido com o dos quadrinhos (interpretado pelo Liam Hemsworth, sei lá), o longa teria sido melhor? Não, né. Teria sido a mesma porcaria, só que com um personagem fiel aos gibis. Se você ler algumas críticas por aí, há até quem diga que o Johnny Storm do moço é um dos pontos fortes.

 

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“O filme vai ser ruim por minha causa? Sérião?”

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De volta ao Lar, não de volta aos anos 60

 

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Quem também sofreu foi parte do elenco de Homem-Aranha: De Volta ao Lar, mais especificamente a parte que não correspondia ao que tinha sido estabelecido nas HQs. De longe, o mais criticado foi o Flash Thompson de Tony Revolori. Nas duas outras adaptações do Cabeça de Teia, o valentão foi feito como mandava a cartilha: jogador de futebol americano, branco, alto e cheio de músculos. Como fazer isso de novo soaria repetitivo, acabaram chamando Revolori para interpretar uma versão um pouco diferente do bully. Num colégio de gênios, não faria sentido ter um quarterback brucutu enchendo o saco do Peter. Flash então se transformou num integrante da equipe de decathlon acadêmico que zoa o jovem Parker por causa de sua pobreza. Continua sendo o mesmo babaca insuportável que todos conhecemos, só que adaptado para fazer sentido naquele ambiente. E vamos combinar que as duas versões anteriores do personagem não chegam nem perto de serem tão marcantes quanto a de Revolori.

 

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Até a talentosíssima Marisa Tomei entrou na mira dessa galera. Diferente da Tia May que conhecemos? Sim. Muito nova pra ser a tia de um garoto de 15 anos? Não. Nos mais de 50 anos que separam a criação da personagem do lançamento de De Volta ao Lar muita coisa mudou, inclusive a concepção de como uma tia deve se parecer. Fora que muita gente nunca entendeu como uma senhorinha poderia ser tia de um garoto tão jovem. A idade não bate. Só se os pais do Peter também fossem idosos, o que sabemos que não é caso. Uma May mais jovem resolve toda essa confusão. A personagem por quem temos tanto apreço ainda está lá, dando conselhos e pedindo para que o Peter chegue cedo em casa, só que com um visual mais moderno.

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Mudanças também se fizeram necessárias no Queens, o local onde o Aranha sempre morou. Outrora um bairro majoritariamente branco, composto por descendentes de imigrantes italianos, ao longo dos anos a população dele foi se diversificando. Manter os personagens do jeito que eles eram em 1962 destoaria do mundo que temos hoje. Como se não fosse o suficiente, a diversidade é usada a favor do roteiro. Duvida? Quando Adrian Toomes fala sobre a própria filha, instintivamente isso nos faz pensar numa garotinha branca. O mesmo vale para quando Liz comenta sobre seu pai, a nossa reação é pensar num senhor negro. Aí, quando o Peter vai buscá-la para o baile… DESCOBRIMOS QUE O ABUTRE É PAI DELA. Você estará mentindo se disser que viu esse plot twist chegando. Se ainda assim você quiser ver um Homem-Aranha apenas com atores brancos, Espetacular Homem-Aranha 1 e 2, com toda a sua falta de identidade, estão à sua espera.

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“Qualé, haters, vão encarar?”

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Quadrinho é quadrinho, filme é filme

 

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É claro que esse assunto vai longe, se eu quisesse poderia escrever uma série de textos só com exemplos de mudanças  que não foram bem aceitas pelo público bazing… digo, nerd. Mas digamos que eu não tenho paciência para falar eternamente sobre adultos birrentos. Então vamos para o caso mais próximo de nós, a Valquíria de Thor: Ragnarok. Tessa Thompson é uma atriz talentosíssima que fez papéis totalmente diferentes uns dos outros em Selma, Creed e Westworld (dois ótimos filmes e uma obra-prima das séries de TV, vale comentar). Como se não fosse o suficiente, ela também canta (e bem!), como podemos ver em uma determinada cena de Creed. Tê-la em um filme já é motivo de comemoração. Quer dizer… menos para uma parcela mais xiita dos fãs de quadrinhos. Quando a moça foi anunciada, vários deles vieram dizer que ela não podia fazer o papel porque a personagem é branca e loira.

 

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Eles apenas esqueceram do pequeno detalhe de que no universo Marvel das HQs não existe apenas uma Valquíria, qualquer guerreira digna de Valhalla pode se tornar uma. E como no longa a companheira de batalha de Thor e Hulk não é chamada de Brunhilde em nenhum momento, podemos concluir que não se trata da mesma personagem que vemos nos gibis. Se os chorões tivessem pesquisado antes de atacar a moça eles teriam chegado a essas mesmas informações, mas acho que isso é pedir demais de um bando de adultos que fazem escândalo por causa de super-heróis. E pensar que antes tínhamos a ilusão de que nerds eram inteligentes. Acho que era só isso mesmo, ilusão.

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“Repete aí o que você falou.”

 

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Tais alterações não são feitas de graça, existe um motivo para elas acontecerem. Vamos ver se você consegue adivinhar. “Os estúdios não pensam nos fãs?”. Talvez, mas não chega a ser bem isso. “Não há profissionais competentes envolvidos nas produções?”. Em alguns casos pode até ser, só que ainda não chegamos lá. “Os produtores estão querendo agradar as minorias?”. Na verdade o que eles querem é ganhar muito dinheiro, então focar numa minoria não seria uma estratégia muito inteligente. A verdade é bem mais simples e menos conspiratória. Alguns elementos simplesmente são alterados porque os filmes são adaptações, simples assim. Eles não precisam seguir à risca o material original. Algumas delas são até necessárias para fazer o filme funcionar.

 

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Vamos pegar o exemplo de Guerra Civil para analisar. Lançada em 2006, a saga nos quadrinhos compreende centenas de edições dos mais diversos títulos da Casa das Ideias, usando o registro de super-seres para abordar temas como segurança e a falta de liberdade, que vinham ganhando cada vez mais destaque após os atentados do 11 de Setembro. Ao longo da saga é normal encontrar páginas abarrotadas de personagens e mais personagens lutando, usando seus poderes e causando níveis absurdos de destruição.

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Já no longa de 2016 as coisas tiveram que mudar. Tem o lance de segurança e liberdade, ainda que os temas principais sejam muito mais pessoais e humanos, como amizade e vingança. A questão das identidades secretas teve que ser deixada de lado, já que no MCU os heróis não escondem quem eles são. O número de personagens também é diferente, enquanto nas HQs é bonito ver uma página dupla preenchida com heróis para todo lado, nas telas de cinema isso pode soar um pouco caótico. Sem falar que perderíamos um enorme tempo apenas para introduzir e apresentar a motivação de todos eles. “Ah, mas se era pra fazer diferente então por que usaram o nome Guerra Civil?”. Porque é um nome que vende, até quem não é muito ligado em quadrinhos sabe que se trata de um arco famoso.

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“Onde estavam todos esses personagens no Recreio Civil?”

 

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Ser adulto é mais do que ter barba na cara

 

Qualquer pessoa com maturidade chegaria a essas conclusões com apenas 5 minutos de reflexão. Talvez seja isso que falte em quem reclama das adaptações, maturidade. Porque não é normal adultos na casa dos 20, 30 ou 40 anos ficarem esperneando enquanto falam que estão os fãs estão sendo desrespeitados. Não, mano, o estúdio, produtores, diretores e toda a equipe de produção não devem respeito a ninguém. Parabéns se você lê quadrinhos desde guri, agora cresça e aprenda a avaliar um filme pelo que ele e não pela falta de fidelidade com as revistinhas. Aprenda que fã não sustenta bilheteria. Vingadores não chegou aos US$ 1,5 bilhão apenas com fãs lotando salas de cinema. Produções desse porte são feitas mirando nas massas, no povão. E o povão não dá a mínima se o Zemo usa ou deixa de usar uma meia rosa na cabeça. Em vez de cobrarem fidelidade das adaptações, os fãs de longa data, como as pessoas adultas que são, deveriam entender que o que funciona na página de uma HQ talvez não funcione numa tela de cinema.

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Atualmente nem sou tão ligado a Harry Potter. Até vi Animais Fantásticos na telona ano passado, mesmo que sem aquela expectativa toda para voltar ao mundo bruxo. Ainda assim, mudei minha opinião sobre O Cálice de Fogo, hoje não considero aquele desastre todo. Na verdade, acho bem divertido até, com a experiência que adquiri ao longo dos anos consegui compreender que as modificações não tinham como intuito irritar os leitores dos livros, mas sim fazê-lo funcionar como filme para que cada vez mais pessoas se encantassem com o universo criado por J.K. Rowling. Em vez de passarem vergonha na internet, os marvetes, dcnautas, gamers, potterheads, e otakus de carteirinha poderiam dar boas-vindas a essa nova leva de fãs. Quem sabe até mesmo agirem como adultos. Seria pedir demais? Bom, enquanto uma repentina onda de sensatez não atinge nerds de todo mundo, deixa eu ir pro grupo do Legado da Marvel ler reclamações sobre o tom cômico de Thor: Ragnarok.



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