Coronavírus: qual pode ser o impacto da doença nos cinemas mundiais?

A maior crise de 2020 tem nome: chama-se coronavírus. O número de infectados multiplica-se rapidamente em diversos países, inclusive no Brasil. O mais afetado, claro, foi a China, que encontra-se praticamente confinada. Graças ao alto poder de contaminação do vírus, por lá as pessoas quase não podem sair de suas casas, quanto mais se reunirem em um espaço público, compartilhado e fechado – como os cinemas.

Na China, os cinemas encontram-se fechados desde antes do feriado do Ano Novo Lunar, que ocorre no final de Janeiro. Com isso, estima-se que a bilheteria chinesa tenha perdido ao menos US$ 200 milhões em relação ao mesmo período no ano passado.

Mas por quanto tempo essa situação vai durar? Será que ela vai continuar piorando em outros países? E quanto aos impactos econômicos, no caso aqui, para a indústria do cinema?

Por isso, preparamos este artigo especial com a forma que o coronavírus tem afetado a indústria do cinema, e como a situação pode evoluir para algo pior se a doença evoluir para uma pandemia. Acompanhe conosco!

Impacto na China

 

O segundo maior mercado cinematográfico do planeta, atrás apenas dos Estados Unidos, encontra-se fechado completamente por conta da epidemia. Escolas, grandes fábricas, muitos locais de trabalho, transporte público… Para você ter uma ideia de como se encontra o país mais populoso do planeta, assista aqui às filmagens feitas por um grupo de cinegrafistas em Wuhan, cidade chinesa que foi o epicentro da epidemia.

No entanto, para a sorte de Hollywood, o fechamento momentâneo dos cinemas chineses não afetou muito os filmes americanos, apenas os chineses. Explicando melhor: o feriado de Ano Novo Lunar é o período do ano onde a China costuma lançar seus maiores blockbusters locais, cuja excelente bilheteria equipara-se à de filmes americanos. E, para garantir que o sucesso dos longas chineses, o governo proíbe o lançamento de filmes estrangeiros durante o feriado. 

Mas não que Hollywood se importe muito, afinal, neste período seus maiores blockbusters de cada ano ainda não chegaram. Os maiores longas americanos afetados pelo fechamento na China foram filmes que não deveriam fazer uma grande bilheteria de toda forma no país, como a aventura familiar Dolittle (filmes infantis em Hollywood não costumam ter bilheterias muito altas por lá) e os dramas indicados ao Oscar de Melhor Filme 1917 e Adoráveis Mulheres.

O maior prejudicado entre os hollywoodianos até o momento foi o sucesso Sonic: O Filme. Como eu disse na minha análise da bilheteria do ouriço azul, filmes baseados em games costumam ter números volumosos na China, um país onde jogos eletrônicos são uma febre entre os jovens. Por isso, uma boa performance de Sonic na China, combinada com sua ótima bilheteria nos EUA e em outros países, poderia levar o longa a ultrapassar Warcraft (US$ 439 milhões) como a maior bilheteria global para uma adaptação de games.

No entanto, o problema mais grave vai ser se o fechamento do país continuar, pois nos próximos meses estão agendados alguns longas com boas perspectivas de bilheteria no país. Entre eles, temos o ambientado na própria China Mulan, 007: Sem Tempo para Morrer, Velozes & Furiosos 9 e, claro, o filme da Marvel Viúva Negra. Tais filmes certamente serão lançados na China eventualmente, porém, quanto mais demorarem a chegar, maior a chance de parte daqueles que os veriam nos cinemas os piratearem para ver em casa.

E, de toda forma, quando tudo voltar ao normal na China, certamente os longas locais terão prioridade. Em outras palavras, se em abril os cinemas estiverem abertos, os filmes chineses agendados para o início do ano terão a exclusividade das telas por algum período, resultando em um adiamento de Mulan, o novo 007 e de Viúva Negra por um tempo que não seria desejável para seus estúdios.

Sim, por conta do coronavírus, a bilheteria global sofrerá um duro baque em comparação com os números recordes de 2019. E, ainda que na China os estúdios recebam apenas 25% da bilheteria de um longa (valor que sobe para 35% em outros países e 50% nos EUA/Canadá, com o restante ficando para os cinemas), isso ainda seria a perda de um bom dinheiro. Se Sonic arrecadasse US$ 150 milhões na China, uma bilheteria similar à de Rampage: Destruição Total no país, seu estúdio, a Paramount, deixaria de embolsar US$ 37,5 milhões. Já se supormos uma bilheteria para Viúva Negra parecida com a de Homem-Aranha: Longe de Casa (US$ 200 milhões) sob situações normais, seriam US$ 50 milhões a menos para a Marvel/Disney caso o longa não possa ser exibido por lá.

De toda forma, os estúdios estarão em maus lençóis se a epidemia se agravar mesmo nos EUA.

O que pode acontecer nos Estados Unidos?

 

Até hoje, nunca os cinemas nos EUA foram fechados como na China, nem mesmo durante situações de crise pública. Na Segunda Guerra Mundial, não só se mantiveram abertos como foram vistos pelo governo como estratégicos para manter a boa moral da população (e ajudou muito o fato de que, diferentemente da Europa, não foram lutadas grandes batalhas em território americano afora o ataque a Pearl Harbor).

Cinemas também ficaram abertos durante o assassinato do presidente John F. Kennedy, em 1962, do atentado ao World Trade Center, em 2001, ou mesmo durante épocas de tragédias (como os infames ataques armados à escolas) e protestos. A única exceção mesmo são catástrofes naturais, como furacões, tornados e enchentes, e ainda assim foram reabertos assim que tais eventos se encerraram.

Em 2012, durante uma pré estreia de Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge em Aurora, no Colorado, cinéfilos foram covardemente atacados pelo assassino James Holmes, resultando em vários mortos e feridos. Ainda assim, afora o próprio cinema onde o caso ocorreu, outros cinemas no país e mesmo na cidade permaneceram abertos, e exibindo o terceiro longa do Cavaleiro das Trevas, que acabou sendo um sucesso de toda forma (US$ 160,8 milhões em seu primeiro fim de semana na América do Norte).

O problema é que nenhum desses precedentes se aplicaria em caso de uma pandemia.

Os EUA são menos densamente povoados que a China, então seria mais difícil fechar todo o país da mesma forma que ocorreu no oriente. Ainda assim, segundo uma fonte entre os exibidores declarou ao IndieWire, cinemas em todo o globo estão atentos aos casos de evolução dos casos de coronavírus e seguirão as orientações do Centro de Controle de Doenças (CDC, no original, o órgão americano que cuida de casos como este) e da Organização Mundial de Saúde. Vale lembrar que, nos EUA, já há uma morte por coronavírus.

Isso significa que, se as autoridades responsáveis declararem que não é seguro ir aos cinemas por enquanto, os estúdios não terão escolhas a não ser adiarem seus filmes. Em alguns casos, indefinidamente, conforme são feitos esforços para conter o coronavírus.

Alguns fãs já estão se preparando para esta eventualidade. Por exemplo, uma carta divulgada ontem por um blog de fãs de 007 pedem que o novo filme da franquia Sem Tempo para Morrer seja adiado, visando a própria saúde pública. O problema é que não é tão simples mudar a data de lançamento de um filme da mesma forma que se remarca um jantar com amigos: há a agenda da equipe do longa, que deve participar de eventos de marketing e do lançamento, acordos de licenciamento com outras empresas, entre outras coisas.

Portanto, a possibilidade de adiamento de filmes como Mulan, Sem Tempo para Morrer e Viúva Negra geraria prejuízos bilionários aos estúdios. Se a crise não se arrefecer, muitos fãs terão que aguardar por mais tempo, ou talvez até 2021, para assistir aos novos capítulos de suas franquias favoritas (MCU, Velozes & Furiosos, DC com Mulher-Maravilha 1984), enquanto os estúdios teriam um ano fiscal bastante difícil.

Streaming pode sair fortalecido

Quem deve sair ganhando na crise são os serviços de streaming, como Netflix e Amazon Prime. Afinal, se não for seguro ir ao cinema, as pessoas procurarão outras opções de entretenimento dentro de casa. 

Conforme matéria do UOL, as ações da Netflix valorizaram 0,8% na última semana, apesar de Wall Street ter tido sua pior semana desde a crise financeira de 2008, enquanto investidores temiam que o vírus pudesse levar a uma recessão global. 

Muitos estúdios, inclusive, talvez optem por lançar alguns de seus blockbusters para este ano diretamente via streaming, caso a crise continue se agravando, com o objetivo de não perder (muito) dinheiro. Porém, isso seria um duro golpe para os cinemas: se as pessoas podem assistir Viúva Negra em casa no fim de semana de abertura, porque iriam aos cinemas?

 

Enfim, o coronavírus tem trazido um grande impacto para o mundo nos primeiros meses de 2020, não apenas para a saúde pública como também para a economia. E, em um mundo globalizado, isso pode ter graves consequências – inclusive para o mundo do entretenimento. Vamos torcer para que a situação se arrefeça logo.

*Texto escrito no dia 3 de março de 2020, então algumas coisas aí podem soar datadas.

Publicitário, formado em Comunicação Social pela Universidade Federal de Minas Gerais. Trabalho com Marketing Digital desde 2015. Apaixonado por bilheterias de cinemas, estudo o mercado cinematográfico brasileiro e estrangeiro já há vários anos, e desde 2017 sirvo como o principal analista de bilheterias para o Legado da Marvel.
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